quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Diario de bordo. Charters - Parte III

Nosso terceiro charter foi a famosa rave MOB - Music on Board. Provavelmente os 3 dias mais surreais da minha vida.
Vamos comecar pelo embarque. Quem ja fez cruzeiro com a Royal sabe que não é permitido o embarque com bebida alcoólica na bagagem. A razão é simples: a cia vende bebida abordo.
Se o cruzeiro for pela Costa, MSC e similares, você provavelmente vai conseguir embarcar com um alambique, uma vez que estas companhias já tem tradição em cruzeiros piriguetes.
Além do mais, se você precisa economizar colocando bebida dentro da mala, é melhor repensar suas férias. Cruzeiro não é pra você. Que tal uma pousadinha em Rio das Pedras?
Pois os nossos diletos passageiros do MOB tentaram. E tentaram meeesmo. Você pode não acreditar, mas apreendemos 2 mil litros de bebida alcoólica. A pergunta que não quer calar: o que é feito desse material todo? Bem, o que esta devidamente lacrado dentro das garrafas originais é etiquetado e devolvido no fim do cruzeiro. O que foi "sagazmente" disfarçado e retido permanentemente. E a gente bebeu tudo. Mas já chego lá.
A criatividade dos mesquinhos parece não ter fim. Um fulano trouxe para o navio dois galões de água mineral de seis litros, cheios de vodka. Muito obrigado, senhor.
Outro, colocou whisky numa bolsa térmica, daquelas que você usa quando machuca o joelho. Muita gentileza, meu amigo.
E tem até quem coloque pinga em frasco de shampoo. Se me perguntarem, uma pessoa que faz isso devia ser afastada do convívio social com gente civilizada. Muito obrigado, de qualquer forma.
A melhor parte era ver os nossos diletos hóspedes dando chilique por causa da bebida apreendida. Tinha fulano que dava carteirada:
- Porque meu pai é Procurador da República, vocês não podem fazer isso! - Pena que o Procurador não procurou fazer o teste do pezinho no filho quando ele era novo, pensava eu.

Outros aproveitavam a aglomeração para pagar de playboy:
- Eu estou na suite mais cara desse navio e não admito isso! - Eu também não gosto de admitir, meu amigo, mas acho que o senhor devia investir sua fortuna em educação. Na sua, claro.

Tirando a mesquinhes e superficialidade, nossos hóspedes durante o MOB era lindos. Eu nunca vi tanta mulher linda junta em toda a minha vida. Os homens todos criados a redbull e fortificante para cavalo. Se o navio começasse a afundar, provavelmente ficariamos à tona, tamanha era a quantidade de silicone abordo.
Som e luz bombando, um milhão de DJs tocando a mesma musica durante 3 dias, os lounges com as Djeias gostosas fazendo pose, enfim, toda aquela indústria que permite fraudes como o Jesus Luz. Uma honrosa exceção foi a apresentação do Ask 2 Quit, com a participação do Saxofonista do Kid Abelha, que teve a manha de, durante seu solo, tropeçar e cair dentro da piscina, com sax e tudo. Show!

Quanto a bebida apreendida, a tripulação fez uma festa regadíssima no fosso da orquestra, no teatro. A única noite em que trabalhei. Como não dava pra saber exatamente que bebida era o que, os drinks ficaram meio que aleatórios. Minha última lembrança daquela noite foi eu, um filipino da casa das máquinas, uma chinesa da limpeza e um segurança inglês pulando descontroladamente no deck da piscina.

Saldo total, 4 presos por narcotráfico, 3 overdoses e a piscina tá fedendo a vômito até agora.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Diario de bordo. Charters - Parte II

Nosso segundo charter foi o Energia na Ve'ia, uma evento promovido pela Energia Fm, uma radio de Santos. Trata-se de um evento bem estranho. E' uma especie de rave de flashbacks. Os organizadores trazem uma quantidade enorme de equipamento a bordo, montam palcos gigantes na piscina e trazem seus proprios Djs, varios deles, cada um um nome de trabalho mais interessante. DJ Wagnão, por exemplo. Não sei quanto a vocês, mas pra mim, Wagnão nao é nome de DJ. É nome de quem dirige Opala 76. Mas olha só o DJ Rodrigo Amém falando, né?
O clima da festa lembra uma festa ploc, ou talvez uma daquelas festas chamadas Bailinho, no Rio de Janeiro. (para quem não é do Rio, eu explico. Bailinho é uma festa hype carioca, onde vc vai ver atores fingindo que são Djs para um público que paga uma fortuna só pra estar na mesma festa em que celebridades entram de graça). O povo não é muito jovem. Já estão naquela idade em que é legal ter saudade do MC Hammer. Então é uma balada onde o DJ manda um Kiss, do Prince, e a galera vai à loucura. Cada um com seu cada qual.

A vantagem do Energia na Véia é que, como eles trazem os Wagnões da vida, eu não preciso trabalhar. Depois de tocar todos os dias desde agosto, sem folga, esse break foi uma benção.
Eu pude ir ao back deck pela primeira vez no meu contrato. Em tempo: back deck é o bar destinado exclusivamente para a tripulação do navio, já que muitos funcionários não podem frequentar as áreas de hóspedes. A maioria, na verdade.
E foi lá que eu me dei conta de uma coisa trágica. O meu não-pertencimento à tripulação.
Meus horários de trabalho não me permitem interagir com meus colegas de trabalho.
Todos no back deck já estavam devidamente entrosados, nos mais variados níveis. Todos já tinham vínculos que os ajudavam a atravessar as dificuldades de nossa bizarra jornada de trabalho. Eles eram uma tribo da qual eu não fazia parte.
Claro, todo mundo abordo sabe quem é o DJ, assim como quem é o Comandante do navio. Mas ninguém me conhece. Poucos amigos, ninguém com quem conversar, nenhuma afinidade com ninguém. Descobri que sou o único tripulante navegando sozinho ao som do DJ Wagnão e seu Opala 76.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Diario de bordo. Charters - Parte I

Minha ausencia nao se justifica, mas se explica. Acabou a temporada de Charters no navio.
Charter e' todo cruzeiro que tem um tema, um publico especifico ou quando uma empresa ou organizacao literalmente "aluga" o navio e promove as vendas e os eventos a bordo.
Tivemos quatro desses eventos num intervalo de um mes. O primeiro foi o cruzeiro catolico.
Ai teve missa todo dia, aquelas aerobicas de Jesus. Teve uma rave catolica chamada Tecno-Cristo. Juro. E pior, tivemos ocorrencias medicas de pessoas que desmaiavam porque estavam tomadas pelo Espirito Santo. Ou seja, Jesus voltou e esta entre nos, so' que na forma de bala.
Nada como uma blasfemia para me fazer sorrir numa sexta-feira de carnaval.