quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Diário de Bordo. Mudança de Rota.

Diz-se, no navio, que quem trabalha no mar é porque está fugindo de algo em terra. Seja da fome, de desilusões amorosas, seja da mesmice de uma vida sem perspectivas. Eu nunca havia pensado em mim mesmo desta forma. Para mim, trabalhar em cruzeiro era apenas uma oportunidade de conhecer o mundo e ter um salário em dólar. Não pouca coisa para um ator/comediante/musico/professor que estava fadado a uma vida no cheque especial graças aos problemas destas carreiras no Brasil. Mas, no sábado, eu descobri do que eu estava fugindo.
Tivemos uma reunião do RH com todos os brasileiros a bordo do Voyager. Ao todo, umas trinta cabeças. Claro, a reunião acabou em festa. Mas não começou assim. O motivo da reunião era estabelecer quem iria ser transferido para outro navio, o Vision of the Seas. Este é o navio que faz temporada brasileira. Devido a legislação em vigor, cerca de 30% da tripulação de qualquer embarcação que explore a costa brasileira tem que ser formada por brasileiros. Até aí, nada demais. Acontece que, desde janeiro, todo brasileiro que trabalha embarcado é obrigado por lei a fazer um curso chamado STCW, onde aprende-se sobre sobrevivência no mar e normas de segurança. Como fazer massagem cardíaca, soltar um bote salva-vidas ou apagar incêndios. Esse curso é oferecido abordo em qualquer navio da Royal. O problema é que a marinha brasileira não aceita mais o curso dado dentro do navio. Agora, apenas as “escolas autorizadas” pelo governo brasileiro estão aptas a oferecer essa certificação. Detalhe, o curso custa 690 reais. Para qualquer brasileiro, fica clara a razão da preferência pelo certificado obtido em terra, não?
De qualquer forma, isso cria um problemão para a Royal. Já é difícil lotar um navio de gente disposta a trabalhar na temporada brasileira. Porque? Bem, imagine que a maior parte dos funcionários brasileiros é de garçons, barmen e similares. Gente que trabalha comissionada. E o passageiro brasileiro, por sua vez, além de não dar gorjeta, tem fama de sovina. Contam coisas como famílias de cinco pessoas dividindo uma coca-cola em lata. E gente pedindo gelo, que é de graça na maioria dos navios, pra esperar derreter e beber a água. Em outras palavras, temporada brasileira é o terror de qualquer crew member.
Assim sendo, perguntar quem quer fazer temporada brasileira é meio sem sentido. Pouquíssima gente quer. Então, a Royal simplesmente indica. E eu estava na lista.
E é assim que isso vai funcionar: no dia 3 de novembro eu vou ganhar um mês de férias. Em dezembro, eu embarco no Vision, no porto de Santos, para um novo contrato, até o fim de maio. Até o carnaval, fico zanzando portos desinteressantes do Brasil, a não ser pelo reveillon em Copacabana, beeeem longe da farofa na areia. Mas beeeem no caminho das oferendas para Iemanjá.
Depois, vamos para Egito, Grécia e outras paragens. Mas vou amargar 3 meses de forró, axé, samba e funk. Mas vou poder voltar a fazer Stand Up em português. Espanhóis nem sabem o que é Stand Up e eu só poderia fazer opening act em inglês quando chegássemos aos EUA. Entre mortos e feridos, salvam-se alguns.
O fato é que a opinião geral dos oficiais da Royal sobre o Brasil não é das melhores. Fala-se que nosso país é simplesmente o pior do mundo para a companhia. A corrupção é assustadora. Não se consegue entrar em porto algum sem dar um whisky para o funcionário público encarregado de vistoria. E essas exigências de certificação são únicas no mundo. Nenhum outro país coloca tantos obstáculos para o trabalho dos seus próprios cidadãos.
E, graças à corrupção e à politicagem brasileira, não será dessa vez que conhecerei o Caribe, México, Texas e tantos outros lugares. Daí eu descobri do que fugia. Deste sentimento de impotência diante dos círculos viciosos da minha pátria. Eu vim para cá buscando a chance de uma carreira sem apadrinhamentos, sem “jeitinhos”, onde o bom trabalho e o profissionalismo fossem a derradeira fonte de recompensa. Mas não é tão fácil fugir do Brasil. Como um vilão de filmes de terror, ele sempre volta para puxar seu pé quando você acha que está a salvo. Brasil é um Freddy Krueger vestido de baiana.
Claro que, da tal reunião, saiu a idéia de uma festa para comemorar o Sete de Setembro.
Vai ter quadrilha, capoeira, lambada, samba e funk. O RH até liberou umas garrafas de vodka para a Caipiroska. Felizmente não vou poder participar, pq no horário estou trabalhando no Vault. Ótimo. Queriam que eu fosse o padre na quadrilha. Dessa eu escapei. Rodrigo 1 x Freddy Krueger Miranda 1.

5 comentários:

  1. CARACAS!
    Real...o lance é mesmo real! A famosa temporada brasileira! Pra mim, que começo em novembro no MSC Musica, estou encarando na boa...afinal, sendo meu primeiro contrato, irei encarar na boa, pra poder ver o pessoal de casa!
    Sobre o STCW acabei fazendo por conta mesmo, pois suspeitava que em breve a legislação iria mesmo mudar. Me dei bem nesse sentido!

    Relaxe e saiba que nada dura tanto tempo!
    Abração

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  2. Excelente a qualidade dos textos do seu blog.

    Estou embarcando em breve como Assistant Waiter da Royal, no Radiance of the Seas. Conhece esse navio?

    Acompanho o blog a partir de hoje.

    Grande abarço, João, Joinville,SC

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  3. é, eu descobri do que fugia quando cheguei aqui. por incrível que pareça, é pelo mesmo motivo que o seu. boa sorte!

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  4. rapaz adorei seu texto!!!
    quase a gente se encontra no vision!!!!
    mas me transferiram pra outro barco!!!
    mas TODOS os meus amigos estarão no Vision!!!
    e tá bom, ele vai pro Brasil, dei sorte de me livrar dessa!!hehehe, mas vou perder de conhecer a Europa e ficar com a galera mais legal dos 7 mares!!!
    ...
    me fala uma coisa!!
    se vc nao viesse ao Brasil nao teria que fazer o STCW???
    Agora vc me deixou em duvida!!!
    nao farei temporada brasileira, assim nao sei se terei q fazer o STCW ou nao!!!
    Havia entendi que sim, mas agora terei que correr atras dessa informaçao!!!
    abraçoooo

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  5. cara, tem um grupo de sao paulo que vai fazer impro em navios aqui no brasil
    será o mesmo?

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