segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Diário de Bordo. Um vídeo vale por mil palavras.

Reconheço hoje, passados alguns meses do meu retorno, que meu capítulo de encerramento da minha aventura marítima foi um tanto depressivo. Acho que era pq eu realmente estava deprimido. Agradeço aos amigos que sentiram isso e se preocuparam.
De qualquer forma, me lembrei de um vídeo que eu assisti quando estava me preparando para o primeiro contrato. Na época eu só achei o vídeo divertido e inspirador.
Hoje em dia acho a perfeita metáfora para a vida a bordo. Você, solto no mundo, cercado de pessoas. Aparentemente se divertindo, aparentemente se aventurando. Mas, no fundo, fazendo as mesmas coisas em diferentes posições do google earth.
Com vcs, Where the Hell is Matt.
(copie e cole no seu navegador)

http://www.youtube.com/watch?v=zlfKdbWwruY

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Diário de Bordo. Valeu a pena ser pescador de ilusões?

Escrevo a vocês um mês depois de ter encerrado meu contrato. A razão da distância foi ter alguma... distância emocional pra chegar a conclusões que fizessem sentido. Não sei se vou conseguir, mas vamos lá.
Primeiro, a decisão: não vou fazer outro contrato. Ainda que deva reconhecer que me ofereceram um excelente navio – o Navigator of the Seas – num excelente roteiro – Mediterrâneo ocidental e oriental. Mas decidi não aceitar. Eis o porquê.
Muitas perguntas me foram feitas desde que cheguei. A mais constrangedora foi: Valeu a pena? E eu realmente não sei responder isso. Até porque eu não sei o que é valer a pena.
Vale a pena quando você atinge seus objetivos ou quando o processo em si é prazeiroso?
Conheci lugares que não teria conhecido não fosse pelo trabalho em cruzeiros. Muitos maravilhosos. Depois de um certo tempo, já não sabia em que parte do mundo estava. E não me importava com isso. Conheci pessoas de todo o planeta, de algumas delas, jamais me esquecerei. Mas a maior parte do tempo me sentia sozinho.
Tive a oportunidade de aperfeiçoar meu trabalho artístico, tanto no humorismo quanto como DJ em níveis que me custariam anos de prática em terra firme. Ainda assim, fora dos mares, sinto que terei que recomeçar minha carreira da estaca zero. Ficar nove meses longe do mercado é arriscado.
Talvez, se eu tivesse 23 e não 33 anos, eu encararia mais um ou dois contratos. Mas o navio me custou muito. Perdi saúde, boas oportunidades de trabalho no continente, um grande amor. Sinto como se tivesse envelhecido uns 15 anos.
Mas isso não quer dizer que eu me arrependa. Acho que era algo que eu precisava viver. Voltei uma pessoa diferente. Pra pior e pra melhor.
Agradeço a todos que visitaram esse blog. Em boa parte do tempo, pensar nas bobagens que eu contaria para vocês foi um alívio e tanto. Lamento muito se eu não posso responder a pergunta que a maioria dos leitores tenta esclarecer quando cai por aqui depois de uma pesquisa no Google. Vale a pena trabalhar em navio?
Depende do que você quer, depende o que você busca, depende quem você é. Mas saiba que você vai descobrir que aquilo que você quer, busca ou é geralmente muda durante a jornada. É uma boa aposta para quem não tem nada a perder. Para todos os outros, uma loteria.
Em tempo: pretendo continuar narrando minhas desventuras, ainda que entenda que o apelo de uma vida em terra firme não seja tão forte. Os que quiserem continuar me acompanhando, serão mais que bem-vindos. WWW.meiapalabas.blogspot.com

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Diario de Bordo. IamSTERDAM.

Amsterdam era um dos portos que eu tinha mais vontade de conhecer. Desembarquei e aluguei uma bicicleta, sem duvida o melhor meio de transporte para explorar a cidade. Custa uns 15 euros, mas vc tem que deixar um deposito de 70 para garantir a devolucao, ou seu passaporte. Logico, o passaporte ficou na lojinha.
A cidade tem aquela fofice que voce espera das antigas edificacoes europeias, entremeada por quatro ou cinco canais que as populacao usa como se fossem trilhos de trem. Ou seja, tem gente que vai pro trabalho de barco, mas a grande maioria vai de bicicleta. E e' muita bicicleta. Chega a ser dificil estacionar. Tive que andar algumas quadras pra achar um poste disponivel pra minha correntinha.
Tem tres coisas que eu vi aos montes em Amsterdam. Bicicletas, folhas de maconha e pintos. Bicicletas estava por todo lado, folhas de maconha eram o tema de 4 em cada cinco camisetas e caralhos por todo lado.
A questao e' que Amsterdam e' mundialmente famosa por ser liberal. Com a liberacao da prostituicao e das drogas, o comercio da cidade dividiu-se basicamente entre lojas de souvenir (camisetas com estampas de maconha), sex shop (vibradores dos mais variados tamanhos expostos com toda tranquilidade nas vitrines) e cafeterias (onde ninguem toma cafe e todo mundo fuma maconha).
E e' a tranquilidade com que os moradores encaram a coisa toda que fazem minha formacao opressora catolica gelar. No distrito da luz vermelha, onde as prostitutas ficam se exibindo na vitrine como se fossem manequins da C&A, as familias passeiam com suas criancinhas, que dao tchau pras prostitutas de top less nas vitrines, que mandam beijinhos de volta, e todo mundo muito tranquilo. Eu nao estava muito, no entanto. Era uma manha de segunda-feira. Mesmo para os padroes europeus, era dificil manter a qualidade da mercadoria exposta nas vitrines. Que medo.
Minha primeira parada foi o Museu de Anne Frank, que era um lugar especial pra mim. Eu tinha uma historia pessoal com o livro, fiz parte de uma montagem teatral sobre o assunto. Enfim, eu tinha expectativas. Mas, assim que vc chega no local, o choque. A casa de Anne Frank virou uma especie de Livraria da Travessa. Com direito a cafeteria no segundo andar (!!!!!).
Por determinacao do pai de Anne, o meu caro sr. Otto Frank, os comodos da casa permaneceram sem mobilia. Entao, vc acaba fazendo um passeio por quartos vazios pintados de preto com fotos nas paredes. Tipo uma exposicao do Sebastiao Salgado. O unico utensilio que permaneceu foi a privada de Anne Frank, toda de porcelana decoradinha de motivos florais. Muito emocionante.
Bom, meus amigos sabem que eu sou contra as drogas. Bem, nao contra as drogas, exatamente. Contra o financiamento do crime organizado. Pode soar radical, mas acho que, no Brasil, quem fuma maconha nao pode reclamar de bala perdida. Mas estamos numa outra realidade, numa sociedade onde a tolerancia e a civilidade convivem com as taras secretas do ser humano em bons termos. Entao, fui a cafeteria.
Escolhi uma pela qualidade que me e' favorita: o senso de humor. Na vitrine do cafe, uma mensagem espirituosa: "Minors no entrance and no fucking around". Acima do balcao, outro aviso singelo: "In God we trust. All the others pay cash." Se a maconha aqui for acida como o humor, vou precisar voltar de maca pro navio.
Alias, e' preciso explicar que a Royal Caribbean e' uma companhia americana que pode, por contrato, te obrigar a mijar num copinho se acharem que vc esta "under the influence". E um resultado positivo pode te mandar rapidinho pra casa. Assim, preferi nao voltar pro navio fedendo maconha. Minha opcao foi, portanto, Space Cake. Um muffin de chocolate que levava a mardita na receita, por seis euros. Gostosinho o bolo, nenhum efeito imediato. Meu conhecimento medico adquirido atraves de varios episodios de House ja haviam me preparado para essa possibilidade. Teria que esperar digerir o quitute para sentir os efeitos. Assim, peguei minha bike e sai por ai. Quando as pernas comecaram a reclamar, retornei ao navio, voltei pra cabine e liguei a TV. E "booom", o Space Cake agiu, me deixando idiota pelo resto da noite.
Apesar do navio estar ainda parado no porto, a sensacao que eu sentia era de que tudo se movia.
"Otimo", pensei. "Paguei seis euros para me sentir, de dia, como eu ja me sinto toda noite!"


domingo, 25 de abril de 2010

Diario de Bordo. Paris, parte II.

Em nosso ultimo capitulo, eu estava zanzando por Paris abordo de um onibus de dois andares, sem capota. Quando chegamos ao Louvre, eu desci. Nao da' pra ir a Paris e nao ver a Monalisa. E la fui eu. Ate porque o crepe desceu mal e eu precisava passar um fax urgente.
O Louvre e' um lugar enorme, dividido em quatro partes, todas lotadas como o Rio Sul em vespera de natal. Cheio de grupos de alunos de primario pra baixo e pra cima. Nunca entendi direito isso de levar moleque de oito anos no museu. Dizem que e' pra "despertar o interesse pela arte" na crianca. Acaba despertando a ulcera de quem quer apreciar o museu. Enfim.
Dizem que leva cinco dias pra ver todo o acervo. Como eu nao tinha esse tempo, me concentrei no que mais me interessava: Egito, Grecia e Monalisa. Coincidentemente, as 3 coisas ficam mais ou menos no mesmo setor. Praticamente uma linha reta. Passamos a Esfingie, a Venus de Milo e chegamos a dita cuja.
Bom, gracas ao Dan Brown todo mundo ja deve saber que a Monalisa e' um quadrinho relativamente pequeno, cercado de gente por quase todos os lados.
O que ninguem fala e' que, na parede oposta, existe um painel enorme e muito interessante, chamado Les Noces de Cana. Noites de cachaca, numa traducao aproximada, que mostra um verdadeiro pagode renascentista. Uma orgia de vinho, musica e mulherada. Nao sei se e' proposital mas, do jeito que estao dispostos, fica a impressao que a Monalisa esta numa janela, observando a baderna, algo entre condenando e se deliciando com a farra do quadro vizinho.
Antes de poder fotografar o quadro, fui achar um banheiro. E, se nao posso dizer que fui o primeiro, fui um dos que entraram para o seleto grupo de pessoas que colocaram uma obra no Louvre.

Voltei para o ponto de onibus e peguei o seguinte. Desci em Notredame.
Muito bonita a catedral, de verdade. Mas, nao sei bem porque, a de Santiago me impressionou mais. De qualquer forma, bati meu ponto, tirei minhas fotos, comprei minhas bugigangas e rumei pra estacao de trem com a sensacao de dever cumprido. Proxima parada, Amsterdan.

sábado, 24 de abril de 2010

Diario de Bordo. A Cidade Luz na mesma velocidade.

Nao e' todo dia que vc tem a chance de ir a Paris. O navio parou em Le Havre, pertinho, e rolou um tour para a tripulacao. Reservei minha vaga e acordei cedo para conhecer a cidade luz. Mas, e' claro, estou abordo do Vision of the Seas. O navio que foi construido em cima de um cemiterio viking. Esse e' provavelmente o navio mais zicado da historia - depois do titanic, claro.
Estivemos em Ilha Grande, metade da ilha desabou. Estivemos no Rio, ele alagou. Estivemos na Bahia, alagou tudo tb. Viemos pra Europa, um vulcao entrou em erupcao. E, pra finalizar, no unico dia em que estariamos em Paris, rolou uma greve no porto e os onibus de turismo nao puderam entrar. Resultado, o tour para tripulacao foi cancelado.
Eu, que trabalhei varios anos para o PT, nao ia deixar sindicalista nenhum esculhambar com o meu dia.
Sai andando, passei pelos piqueteiros e mandei um sorridente "vai tomar no seu cu, espero que vcs percam o emprego" em portugues. Eles sorriram e deram tchauzinho, sem entender a mensagem.
Andei ate a estacao de trem. Por 60 (putaquepariu!) euros, vc compra passagem de ida e volta. Sao duas horas de viagem. O que significa que eu cheguei em Paris por volta do meio-dia e que deveria estar de volta antes das sete. Em outras palavras, tinha que sair la pelas cinco. Cinco horas para conhecer Paris. Esse e' um trabalho para o Super-Amem.
primeira providencia, ir a torre Eiffel. Peguei um taxi de seis euros e estava la, debaixo da bicha (no bom sentido, claro).
Antes que perguntem, nao, nao subi ao topo. Subir ao topo da torre e' funcao para o dia inteiro. Tem fila, leva tempo. E tempo eu nao tinha. Mas comi um crepe frances la. Bem gorduroso, num guardanapo, como manda a tradicao.
Foi ai que eu decidi fazer uma coisa que nao e' muito meu estilo, mas a falta de tempo nao me dava opcao. Pegar um "Car Rouge". Sao uns onibus para turista, com segundo andar, tipo londres, e sem capota. Vc vai sentado, com fone de ouvido, escutando as explicacoes sobre os lugares onde vc esta passando. A vantagem e' que vc desce onde quiser e depois pode pegar o proximo, sem pagar a mais por isso.
Num onibus desse, eu fui ate o Louvre.
Pelo caminho, Paris faz questao de deixar qualquer um de queixo no chao. E', com certeza, a cidade mais linda que eu ja visitei.
Antes que algum carioca me xingue, deixe-me explicar a diferenca. Paris e' uma cidade de belezas naturais modestas, que algumas pessoas excepcionais transformaram num lugar magnifico, lindo pelas maos do homem. O Rio e' um lugar de belezas naturais magnificas, que alguns homens mediocres transformaram numa cidade sitiada. Afinal, nao da pra ter os dois no mesmo lugar, certo?
Meus leitores ja devem estar olhando no relogio. Continuo Paris no proximo post.

Diario de Bordo. No Pain, No Glory.

Estamos em Santiago de Compostela. Algumas pessoas caminham 45 dias para chegar aqui. Eu fiz o percurso em 30 minutos. Tudo bem que eu vim de trem-bala. Mas isso nao interessa. Eu sou a favor da perigrinacao de resultados.
O clima estava, por assim dizer, inclemente. Chovia aos cantaros, mas chegamos a famosa Catedral de Santiago.
Devo reconhecer que, em outras eras, teria aproveitado melhor o momento mistico que se desenhava a minha frente. Mas, ainda assim, tudo era bonito e emocionante.
Menos a parte em que um grupo de peregrinos chegou e uma garota do grupo mandou a seguinte frase em espanhol: Chegamos, peregrinos! Abraco de Teletubbies!
Porque eu tenho certeza de que o abraco de teletubbies foi exatamente o grau de elevacao espiritual que Santiago tinha em mente quando chegou por aqui.

Eu devia ter feito meu dever de casa e pesquisado um pouco mais sobre o local andes de ir, ou mesmo de escrever a respeito. Mas isso nao vai acontecer. Nao a 3 dias de voltar para casa. De qualquer forma, tudo em Santiago tem conchas. e' um dos simbolos da cidade. Em todo lugar que vc olhe, tem uma concha. Nao sei se, durante sua jornada, Santiago sentiu fome e Deus fez chover casquinhas de siri, ou se tudo nao passa de uma jogada de marketing da Shell. Sei que, ao ver a alegria das pessoas terminando suas jornadas na praca da catedral, da ate vontade de fazer o caminho mais longo. Mas isso vai ficar pra depois. Por hora, tenho uma cerveja pra terminar e um trem para pegar.
Amem!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Diario de Bordo. Ha uma nuvem vulcanica sobre os meus olhos...

Minha teoria e' a seguinte: O Vision of the Seas foi construido sobre um cemiterio Viking. Porque esse e' o navio mais zicado do mundo, depois do Titanic, talvez.
Senao vejamos,
Estivemos em Ilha Grande, rolou aquele deslizamento monstro. Estivemos no Rio, enchente e deslizamento. Tivemos uma quarentena por infeccao intestinal. Nossa ultima estada em Salvador, tava tudo alagado, tambem. E, agora que chegamos na Europa, tem um vulcao mandando cinza pra todo lado e fechando o espaco aereo.
Bom, voce deve estar se perguntando como isso afeta um navio de cruzeiro. Pois afeta de montao. Pra comecar, os passageiros nao conseguem chegar ate o porto de partida. Resultado. Dos dois mil hospedes, temos 800. Segundo, a tripulacao que viria render os sobreviventes da temporada brasileira nao chegou. Ou seja, quem terminou o contrato foi embora e nao apareceu ninguem para ocupar a vaga. Estamos sensivelmente desfalcados. A ponto de eu ter que fazer parte da apresentacao do Village People na festa dos anos 70. (Agora eu vou dar uma pequena pausa para voce rir da minha cara)




Muito bem, voltando.
A situacao e' tao grave que existe a possibilidade de eu nao conseguir voo de volta para o Brasil, uma vez que eu desembarco na Noruega, fechadissima.
E como nao tem outro DJ, e' bem possivel que nao me deixem desembarcar sem o substituto chegar.
Do jeito que eu estou em modo "Tolerancia Zero", e' bem provavel que eu volte a nado, se me pedirem para extender contrato.